domingo, 27 de julho de 2008

O meu degrau


Todo mundo tem um lugar especial pra chorar as pitangas. Sabe aquele cantinho seu, que te acolhe quando a coisa fica preta e te entende mais do que um amigo palpiteiro? Então. Normalmente é escondido, quentinho. Mas pode ser num banheiro frio, para chorar com a cabeça enfiada entre os joelhos. Também tem a clássica cama quente, para praguejar debaixo do lençol. Ou, dependendo da urgência, serve até banco de rua, porque problema é como o meu ônibus: não tem hora pra aparecer. Enfim, todo mundo elege um pedaço do mundo pra fazer de esconderijo. E de todas as opções possíveis na minha infância, eu elegi um degrau.
Era o segundo degrau de uma escada comprida, na casa em que eu morava em São Paulo. A cada bronca da dona
Ana, olhar torto do seu Boni ou tragédia no programa da Xuxa, lá ia eu correndo pro meu degrauzinho. Sentava lá, toda miúda, tentando entender porque é que às vezes o mundo ficava tão chato. Pensava alto, chorava, deixava o drama corroer esse coraçãozinho pueril. Ali sozinha, de um jeito ou de outro, as coisas se acalmavam. Porque criança também tem problemas dificílimos, sim senhor! Assim como têm o incrível dom de se deixar distrair. E distração é a última coisa que um problema quer.
Uns tantos anos depois, as coisas aumentaram de tamanho. Minhas pernas - e os problemas - principalmente. Assim, ambos ultrapassaram a largura daquele pequeno degrau. Nem eu, nem meus dramas, cabíamos mais lá. Fora que, tão próximo assim da sala, alguém poderia me ver num chororô ridículo no meio da tarde. E, claro, adultos não choram – ou fingem que não. Vivem tentando esconder, pra não ter que dar explicações, não parecerem fracos, nem escancarar pros outros que a vida tá assim difícil. Ou para não assumirem para si mesmos que sim, a vida de repente ficou bem difícil.
E, assim como a questão de Física no vestibular, ela segue se dificultando. Não importa tua quantidade de casas nas Bahamas, Murphy diz que algo ainda te fará querer derrubar uns baldes. Ou fugir. Ou gritar. Eu, que não tenho casas nem na favela da Rocinha, sou vítima assídua de tais sensações. E fujo, grito e choro ali, no meu pobre travesseiro. Um saco de pancadas presente, fiel e que ainda me bota pra dormir no fim da terapia. Mesmo com o glamour de uma posterior cara amassada, ele agüenta meu pior berreiro. Agüenta o tranco, a fisgada e a solidãozinha que me ensinou, desde pequena, a buscar minhas próprias soluções. Funciona. Depois de passar tanto tempo num degrau, acho que já aprendi a subir escadas.
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Pra mim, esse negócio de chorar deveria ser uma maneira de limpar o corpo, de esvaziar aquilo que dói. Mas não, parece que quanto mais a gente chora, mais cheio o peito fica. E o engraçado é isso, fica cheio de vazio!

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